A bordo da emoção do seu Duda 5t2jl
Publicado em: 23 de outubro de 2010 6y61t
Texto publicado, originalmente, no dia 21/10/2008, no Blog do Mílton Jung
Aos 74 anos, Seu Duda se emociona ao ver a coleção de miniaturas do nosso colega Adamo Bazani. E Adamo Bazani garante que o olho de Seu Duda se encheu dágua quando reconheceu no livro veículo que usou durante os anos de trabalho, em Santo André. Apesar da diferença de idade
Apesar da diferença de idade dos dois, uma paixão os une: os ônibus. Se Adamo sempre curtiu ser ageiro, Duda se orgulha de ter trabalhado neles. Foi funcionário da pioneira EAOSA – Empresa Auto Ônibus de Santo André -, fundada em 1931 e uma das primeiras a ligar a Região Metropolitana de São Paulo à capital.
A conversa dos dois, semana ada, foi transcrita por e-mail pelo próprio Adamo e entre uma confissão e outra ficou muito claro que para nosso repórter ouvir as histórias do seu Duda era como estar diante de um ídolo.
José Eduardo – Duda – da Costa tinha apenas 13 anos quando foi trabalhar no pátio da EAOSA como auxiliar de oficina. Havia ele e os amigos Paulo, Antuil e Aurélio exercendo profissão perigosa para qualquer profissional, principalmente sendo estes crianças ainda.
Uma das suas primeiras funções era ‘dopar os motores a diesel das jardineiras, com éter puro, embebido num pano, que era ado na bomba de combustão, enquanto outro garoto dava partida no ônibus e acelerava. O cheiro era terrível. OUTRO PERIGO era que os adolescentes trabalhadores tinham de preparar uma solução para as baterias da parte elétrica dos ônibus em tonéis de água e ácido sulfúrico puro. Havia um tonel de ácido, onde a bateria era colocada por um pequeno tempo. Em seguida, ela ficava uma semana num tonel de água para fazer a solução. Tudo isso, segundo Duda, tanto o contato com o ácido como com o éter, era feito sem luvas, máscaras, óculos ou qualquer tipo de proteção – escreveu Adamo.
Foi um forte jato de água jorrado contra o corpo de Duda que impediu um acidente grave resultado de queimadura por ácido mal-manipulado por um dos garotos. O uniforme dele se esfarelou, mas graças a ação rápida de um colega experiente o menino escapou ileso.
Além de brincar com as miniaturas que Adamo mantém na prateleira de casa, Duda teve a curiosidade atiçada pela biblioteca mantida pelo jornalista. E foi ao folhear um dos livros com a história de ônibus que o funcionário aposentado da EAOSA reencontrou-se com o Coaches GM, modelo americano que revolucionou o transporte urbano de ageiros, hidramático, hidráulico, sensores para impedir que a porta surpreendesse um ageiro, com pisca-pisca elétrico (ensina-me Adamo que os modelos que haviam no mercado no fim dos anos 40 tinham seta de madeira para indicar para que lado iriam virar:
“Hoje em dia, mesmo com o desenvolvimento da indústria automobilística, não se vê ônibus urbano que se equipare ao conforto dos Coaches. Hoje se economiza peças e muitos ônibus saem novos, caros e desconfortáveis das linhas de produção” – opinou Duda.
Na garagem e ainda menino, Duda aprendeu a dirigir os ônibus. Precisava ficar em pé para alcançar os pedais. Quando foi promovido a cobrador, mais ‘velho’, continuou em pé, pois não havia roleta nem banco para sentar. Nas viagens entre Santo André e São Paulo chegava a ficar mais de uma hora caminhando dentro do ônibus para cobrar a agem que era paga por seção.
Na linha, por exemplo, havia 5 seções entre Santo André, São Caetano e São Paulo. Eram elas: 1ª Praça do Ipiranguinha, em Santo André até Estação de trem Santo André / 2º Estação de Santo André até os limites entre os municípios de Santo André e São Caetano / 3º Limite de Municípios até a Estação de trem de São Caetano / 4º Estação de São Caetano até o Sacomã, na Capital Paulista, perto do subidão da Rua Bom Pastor / 5º entre o Sacomã até o Parque Dom Pedro II.
Duda conta que não eram raras as vezes que ageiros que pagavam a seção mais barata, fingiam dormir para ar do ponto e ir mais além. Havia até brigas dentro dos ônibus, mas Duda disse que sempre procurou ser educado com os ageiros, mesmo sabendo que alguns faziam de propósito”- escreveu Adamo.
Duda não fez toda sua vida na empresa, saiu de lá ainda nos anos 50. Mas deixo nas palavras de Adamo o fim desta conversa:
“Duda recorda com carinho uma época dura e feliz. Dura pelo trabalho, feliz, pela simplicidade. Rotineira, mas desafiadora. Rotineira, pois o serviço era o mesmo todos os dias. Desafiadora, pois os ônibus tinham de enfrentar ruas de terra, lama e também porque, no início, ninguém acreditava que a empresa onde Duda trabalhou sobreviveria sequer alguns anos, por causa da ligação bem mais antiga por trens entre o ABC e São Paulo.
Diz a música de Geraldo Vandré, que o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo”. Duda que é fã de música de várias épocas, diz que “São Paulo foi mudando nas rodas de veículos com mais de 200 cavalos”. Ele conta que pela janela do ônibus viu estradinhas de terra no ABC e na Capital se tornarem ruas de paralelepípedos, asfalto, grandes avenidas. Viu fábricas crescendo, vilas se formando. Viu o matagal que separava uma parte do ABC e São Paulo se transformar em bairros, centros industriais, até não se notar a diferença entre os limites de municípios. Viu pequenos comerciantes se tornarem empresários, operários, comprarem suas casas. Viu do verde das grande chácaras do ABC ao cinza das indústrias da região. Pelas janelas dos Coaches da EAOSA, viu o bairro do Ipiranga, por exemplo, se tornar um dos mais importantes industrialmente na Capital.
E de que o velho cobrador tem saudade ? Da simplicidade das pessoas da época. Ah sim, e do ronco do motor dos Coaches.
Hoje a empresa, que possui linhas de Mauá a Capital Paulista é considerada uma das grandes do setor, mas ela não chegaria a esse posto, sem os Dudas e tantos outros que sujaram as mãos de graxa, cheiravam óleo diesel e outros produtos químicos e dedicaram suas vidas e juventude a um trabalho pesado.