No Brasil, enquanto isso, muitos corredores de ônibus seguem operando com veículos a diesel, e o trólebus ainda é visto por algumas autoridades como “coisa do ado” 121s1f
FÁTIMA MESQUITA, especial para o DIÁRIO DO TRANSPORTE
Depois de quase três anos de obras, a região metropolitana da Cidade do México finalmente ganha no 18 de maio uma nova linha de BRT com trólebus. Com 18,5 km de extensão e quase metade do seu trajeto em pista elevada, o novo serviço vai operar com 102 trólebus entre modelos das chinesas Yutong e a Zhong Tong. No entanto, os veículos não usarão cabos, rodando com baterias com 75 km de autonomia.
A empreitada tem as digitais da presidenta Claudia Sheinbaum que, antes de se tornar a autoridade máxima do país, governou o distrito federal Cidade do México. E foi nesta posição que ela deu o pontapé inicial não só neste projeto como na revitalização e ampliação do uso de trólebus na capital que agora, com esta inauguração, chegará à 12 linhas e 425 veículos.
A presidenta Claudia Sheinbaum e a governadora do Distrito Federal mexicano, Clara Brugada, testaram o sistema no final de semana
Ligando Chalco a Santa Martha na zona leste da região metropolitana da capital mexicana e com conexão com o metrô, a linha 12 entrará em circulação nesta primeira fase com nove estações, mas o plano total conta outras seis paradas ainda em construção.
Mesmo assim o mais novo BRT mexicano já atenderá cerca de três milhões de pessoas acelerando um traslado que tradicionalmente ultraava duas horas e que ará a ser feito agora em 33 minutos nos expressos e 44 minutos no serviço comum.
Bancada com recursos próprios do distrito federal (CDMX), do estado (Edomex) e do governo federal, a linha deve ganhar outros 92 trólebus quando todas as estações estiverem prontas.
E NO BRASIL, COMO ESTAMOS?
Como o Diário do Transporte destacou, os trólebus completaram 76 anos no Brasil em 22 de abril de 2025, com o primeiro sistema operando comercialmente em São Paulo a partir de 1949. Ao longo do tempo, esses veículos elétricos evoluíram significativamente.
Atualmente, existem propostas e defesas para a expansão do uso de trólebus na capital paulista. Especialistas e membros do COMFROTA, o comitê da prefeitura que acompanha a troca de frota, argumentam que os trólebus podem ser uma alternativa de menor custo em comparação com ônibus elétricos somente a bateria. Eles defendem a inclusão desses veículos nos corredores e BRTs (Bus Rapid Transit) que estão sendo construídos ou planejados para São Paulo. No Plano de Metas 2025-2028, estão previstos 53 km de novos corredores.
Uma inovação destacada é o veículo tipo E-Trol, que opera tanto conectado à rede aérea como fora dela, utilizando um pequeno banco de baterias. Estes veículos carregam enquanto operam sob a rede aérea, o que reduz a necessidade de grandes e caras infraestruturas de carregamento nas garagens. O engenheiro Olímpio Álvares, membro do Comfrota e da USP, menciona que os E-Trols têm sido aplicados de forma competitiva em novos corredores na Europa e acredita que são uma ótima alternativa para novos corredores em São Paulo e para substituir trólebus mais antigos. Segundo Ieda Oliveira, diretora da Eletra, uma empresa que produz E-Trols, esse modelo pode custar até 30% mais barato que um ônibus somente a bateria e ter uma vida útil da bateria 30% a 40% maior devido ao ciclo de carga e descarga. O tipo E-Trol deve operar no corredor BRT-ABC, em construção entre cidades do ABC Paulista e a capital.
Além dos E-Trols, o conceito de “trólebus puro” também continua viável e moderno, com investimentos em sistemas pelo mundo e no Brasil. Um exemplo é o Corredor Metropolitano ABD, entre São Paulo e cidades do ABC, que recebeu 10 novos trólebus “puros” de 21,5 metros no primeiro trimestre de 2025. Fabricados pela Eletra, com chassis Mercedes-Benz e carrocerias Caio, essas unidades foram desenvolvidas para substituir modelos mais antigos e aumentar a capacidade do corredor.
Outra possibilidade mencionada é a conversão (retrofit) de ônibus a diesel usados em trólebus. A NEXT Mobilidade, em parceria com a Eletra, iniciou a conversão de 10 ônibus articulados a diesel de 18 metros para trólebus, o que reduzirá as emissões no Corredor ABD. Essa prática não é inédita para a fabricante Eletra. A conversão de veículos a diesel para elétricos traz vantagens ambientais imediatas, zerando a emissão de poluentes e evitando o descarte dos ônibus a diesel, prolongando sua vida útil.
Um estudo realizado por técnicos da ONG “Respira São Paulo” sugere que a rede de trólebus existente na capital paulista, que soma 168 km, está subutilizada. A rede possui uma potência instalada de 30.000 kW, mas apenas metade é utilizada pela frota atual de 201 trólebus. O estudo conclui que essa potência “tem energia de sobra” e poderia alimentar, além dos trólebus em operação, cerca de 200 novos ônibus elétricos, ajudando a carregar suas baterias. As adaptações necessárias na infraestrutura existente seriam mais baratas e rápidas de implantar do que ajustar a tensão nas redes de distribuição dos bairros onde ficam as garagens, um dos principais entraves para o avanço da eletrificação em São Paulo. O levantamento do “Respira São Paulo” identificou linhas de ônibus comuns que poderiam receber o E-Trol por arem sob a rede aérea de trólebus. Embora a SPTrans considere essa operação complexa, o estudo aponta que no ado três operadores utilizavam a rede e dividiam os custos.
O Diário do Transporte tem enfatizado a importância da diversificação das alternativas de tração para o transporte coletivo, em vez de depender exclusivamente de uma única tecnologia como os ônibus somente a bateria. A meta de frota de ônibus elétricos em São Paulo não foi alcançada (527 ônibus a bateria em abril de 2025, contra uma meta de 2,6 mil até dezembro de 2024), em parte devido à falta de infraestrutura nas garagens e problemas com as ligações de energia. Além da eletrificação (incluindo E-Trols e trólebus), outras opções discutidas incluem:
Tecnologia Euro 6: A tecnologia diesel atual reduz as emissões significativamente (entre 50% e 80%) e poderia ser parte de um plano de renovação de frota para alcançar mais pessoas, especialmente onde a infraestrutura para elétricos ainda não está disponível.
GNV/Biometano: O Brasil tem grande potencial para esses combustíveis, que podem ser obtidos da decomposição de resíduos. A capital paulista cogita adotar essa alternativa em parte do sistema, com testes em veículos convertidos.
HVO (Hydrotreated Vegetable Oil): Conhecido como diesel verde, este combustível não produz CO2 quando usado puro e pode ser utilizado até em motores antigos para reduzir poluentes cancerígenos significativamente. No entanto, sua disponibilidade e custo são desafios no Brasil.
Etanol: Embora não seja ideal para uso direto nos tanques atualmente, pode ser uma fonte de energia para veículos híbridos ou geradores estacionários.
A história dos trólebus no Brasil, particularmente em São Paulo, é marcada pela forte participação do investimento público, inicialmente pela CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos), que chegou a fabricar seus próprios trólebus e foi fundamental para a permanência do sistema no país. Projetos como o Sistran, liderado pelo engenheiro Adriano Murgel Branco na gestão do prefeito Olavo Setúbal nos anos 1970, foram cruciais para o renascimento da indústria nacional de trólebus, embora o plano completo não tenha sido totalmente implantado devido à descontinuidade istrativa. Nos anos 1980, a indústria ferroviária, como Mafersa e Cobrasma, também entrou no setor, trazendo inovações como veículos monobloco e o uso de aço inoxidável. A privatização da CMTC nos anos 1990 levou à redução da rede e desativação de linhas em São Paulo, embora o Corredor ABD tenha sido uma exceção onde houve ampliação de frota e capacidade. O projeto do Fura-Fila, que originalmente previa o uso de trólebus biarticulados, também teve sua proposta alterada e os trólebus foram descartados.
Apesar dos desafios e da redução do sistema, a indústria nacional continuou a se especializar, desenvolvendo tecnologias próprias, o que levou o Brasil a se tornar exportador de sistemas de trólebus em alguns casos. Inovações recentes incluem o Dual Bus, um projeto que combina tecnologia de trólebus e elétrico híbrido.
Atualmente, há três sistemas de trólebus em operação no Brasil: na capital paulista, no Corredor Metropolitano ABD, e em Santos, embora este último tenha poucos veículos e circulação limitada. Na capital paulista, a licitação dos transportes prevê a inclusão de mais 50 novos trólebus, aproveitando trechos subutilizados da rede, mas sem ampliação da mesma.
O Diário do Transporte, através dos artigos e entrevistas apresentados, reforça que o trólebus e suas variações modernas como o E-Trol são tecnologias viáveis, com vantagens econômicas e ambientais, e que possuem potencial para serem ampliados e integrados com outras formas de eletrificação no transporte público, especialmente em São Paulo, onde há uma rede e conhecimento técnico históricos. A defesa dessas alternativas surge como uma resposta aos desafios da eletrificação completa somente a bateria, como a falta de infraestrutura de recarga.
Fátima Mesquita é jornalista e escritora